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Em virtude do Grand Tour da Cultura de 2022, um evento criado pela Fundação Marche Cultura, foram criados uma série de atividades durante os meses de inverno com o objetivo de valorizar espaços culturais e as comunidades locais. Eu participei dos eventos realizados pelo Museu de Imigração de Recanati, com um espetáculo que contava e cantava várias histórias que entrelaçam Itália e Argentina e falavam da imigração.

Os eventos foram realizados em três localidades: Recanati, Loreto e Porto Recanati, com a presença de Maximiliano Cimatti e dos músicos Martin Navello e Marco Sonaglia.

O museu da imigração foi inaugurado em 10 de dezembro de 2013, realizado pelo do município de Recanati e pela Região Marche como um modo de homenagear os mais de 700 mil imigrantes marchigianos que deixaram sua amada terra entre o final do século XIX e o início do século XX. Nesse período a Região Marche foi a região que mais emigrou, ficando atrás somente do Vêneto.

Durante a visita que fiz ao museu, vi uma senhora muito emocionada com o resultado da sua pesquisa: ela encontrou o nome do tio, nas buscas pelo seu sobrenome na Argentina. Muitos marchigiano crescem ouvindo histórias de família de um tio ou de um primo que imigrou para Argentina e essa lenda se torna realizada quando fazem a pesquisa no site e encontram o nome do antenado.

Quando pensamos na imigração automaticamente nos vem em mente a imagem da mala. Na verdade, a grande maioria dos imigrantes não tinha nem mala. Os mais pobres não tinham nada mais que as roupas que vestiam, então utilizavam sacos de juta para carregar salames e queijos para comerem durante a viagem. Muitas mulheres viajavam com trouxas na cabeça para manter as mãos livres para segurarem os filhos. A pobreza era tanta que nem os utensílios de trabalho pertenciam a eles.

Alguns imigrantes mais prósperos carregavam instrumentos para o trabalho, recordações de família. Além das malas e sacos de jutas, alguns carregavam baús com o necessário para começar a vida.

Meação

A imigração marchigiana começou mais tarde em comparação com outras regiões, e isso ocorreu devido a “Meação”(ou Mezzadria em italiano). A meação era um contrato agrícola entre proprietário de terra e camponeses, que consistia na divisão do lucro entre os dois envolvidos. O aumento das taxas italianas no final do século XIX colocou em crise a econômia, e os camponeses e artesãos começaram a buscar outros modos de trabalho.

A partir do ano 1894 os marchigianos começam a imigrar em massa e a Argentina era a meta mais procurada. Em um momento durante a I Guerra, os marchigianos chegaram a 11% do total de imigrantes italianos na Argentina.

No museu a primeira parte é justamente dedicada aos utensílios do campo e do artesanato, com muitos instrumentos utilizados seja no campo, seja nas casas. O imigrante marchigiano além de agricultor, era um ótimo artesão e isso facilitou a organização no novo pais, já que eles construíam as casas, lavravam a terra, sabiam fazer sapatos e tecer a lã, de trabalhar com a palha criando cestos e chapéus.

O início da viagem

A primeira fase da viagem era juntar dinheiro para poder comprar os bilhetes para o trem e navio, e nessa fase o imigrante costumava vender tudo que tinha. Alguns conseguiam entrar em programas de imigração onde recebiam passagens pré-pagas. Muitas vezes esse tipo de contrato era uma armadilha, o trabalhador recebia um empréstimo para as passagens mas assinava um contrato onde deveria trabalhar para pagar essas despesas. Esse contrato criava uma dívida que muitas vezes o trabalhador nunca conseguia pagar. Esse tipo de contrato foi comum nos acordos imigratórios para o Brasil e nas plantações de café, algodão e tabaco no sul dos EUA.

Existia também uma imigração clandestina, promovida por agentes de companhias marítimas, que criam rotas fora do território italiano para fugir do controle do governo, prometendo viagens mais baratas e mais curtas. Esses imigrantes partiam de portos menores e mantinham segredo sobre o destino e motivo de viagem. Mas por serem clandestinos perdiam todas as garantias das autoridades italianas, não tendo a quem reclamar dos imprevistos e fraudes.

A partida do campo começava geralmente à cavalo ou de carroça até chegar a estação ferroviária. Era uma aventura: muitos nunca tinham saído da própria cidade, e não sabiam ler e escrever dificultando o acesso aos trens.

Os primeiros marchigianos a imigrarem foram os pescadores da Riviera do Conero, que foram para Buenos Aires e que viveram no bairro da Boca e prosseguiram trabalhando como pescadores no rio Tigre e da Prata. Durante muito tempo era comum ver os barcos de pesca no estilo marchigiano navegando na capital Argentina.

Os camponeses e artesãos imigraram depois e ocuparam as cidades, e nos campos entre a Pampa e os Andes. Entre 1875 e 1925 a Argentina recebe quase totalmente o fluxo de imigrantes! O Brasil não atrai particularmente aos marchigianos preferindo o Uruguai.

Trem

O trem era o principal meio de transporte para chegar no Norte da Europa, destino de muitos imigrantes que escolhiam os destinos Bélgica, Alemanha, Suíça e França.

Muitos partiam em direção a Gênova, de onde partiam os navios que iam para EUA e America do Sul.

Navio

No ano de 1901 o governo italiano cria uma lei para tutelar os imigrantes, quem embarcava de um porto italiano depois de ter comprado uma passagem válida de uma agente autorizado, possuiam uma tutela do momento de embarque até o desembarque no destino.

Tragédia da mineração

Uma das metas de imigração na Europa era a Bélgica, onde muitos marchigianos imigraram para trabalhar como mineradores. Uma parte do Museu da Imigração é dedicada a inúmeras vítimas dos trabalhos em Mineiras.

No dia 8 de agosto de 1956 ocorre uma tragédia em Marcinelle na Bélgica, na mina de carvão de Bois du Cazier. Devido a uma falha humana ocorreu uma explosão, seguida de um grande incêndio. Foram 15 dias de busca e salvamento mas morreram 262 mineradores, metade eram de origem italiana e 12 eram marchigianos, ou seja 10% da média italiana.

Como homenagem estão descritos os nomes, as cidades de origem e status civil dos 12 marchigianos que morreram nas minas.

Objetos usados pelos mineradores

Destinos

A imigração marchigiana inicialmente era sazonal e os trabalhadores buscavam trabalho na zona de Maremma Romana ou Toscana e tinha a função de acumular uma certa quantia de dinheiro e retornar para a cidade de origem.

Mas no século XX, a região Marche passa a ser a segunda região com maior número de migrantes! A Argentina passa a ser a meta preferida, principalmente no período da primeira Guerra.

Um destino muito almejado era os EUA, com imigração para as cidades mais industriais, para trabalhar nas mineiras na Pensilvânia e plantações de algodão e tabaco do Mississipi. Uma das metas mais desejadas era NY e grandes cidades da costa, e muitos marchigianos encontraram trabalho na construção civil.

Mas os imigrantes que foram para o delta do Mississipi, através da empresa Sunny Side não tiveram muito sucesso. Muitas familias do litoral entre Senigallia e Pesaro imigraram com as promessas enganosa das passagens pré-pagadas, e se encontraram em um regime de escravidão. Com dívidas da passagem para pagar e tendo que lidar com condições naturais difíceis, jornadas massacrantes e surtos de malária. Os poucos sobreviventes fugiram para outras cidades do sul.

A duração da imigração depende sempre do destino escolhido. Algumas imigrações foram estacionais e de pequena duração como os camponeses faziam atravessando o oceano e aproveitando-se da inversão das estações para realizar trabalho agrícola; com o objetivo de ter um lucro rápido e permitindo a compra de terra na sua cidades e possibilidade de formar uma família.

Durante a primeira Guerra o fluxo foi interrompido, mas logo se retomam as imigrações para as principais metas como Argentina e EUA. E ainda retomam as imigrações no Norte da Europa.

Com a Segunda Guerra existe uma maior variedade de destinos e começam as imigrações para Canadá, Venezuela e Austrália.

Aliás na Austrália em Adelaide, foi criada “Associazione Marche Club Inc. South Australia.” O imigrante Athos Vagnarelli contribuiu para a criação da associação Marchigiana que atualmente tem status de comunidade italiana!

Curiosidade: quando Buenos Aires ficou saturada de imigrantes, a solução era buscar trabalho mais longe, muitos imigrantes chegaram ao extremo norte da província numa cidade chamada Chivilcoy, que se transformou na palavra Civiscoio, e sendo utilizada até hoje em dialeto como lugar muito longe.

As mulheres imigrantes

O papel da mulher imigrante sempre foi invisível e muitas vezes menosprezado. Normalmente a imigração feminina ocorria de modo passivo, não era uma escolha pessoal delas mas derivado de situações familiares. As mulheres imigravam como uma reunião familiar, partiam para encontrar em outro país o marido, o pai ou um irmão mais velho.

A imigração separava famílias muitas vezes definitivamente e por isso muitas mulheres enfrentaram sozinhas a tarefa de se manter e cuidar dos filhos enquanto o marido buscava oportunidade em outro país. Viviam uma situação social de uma mulher casada sem marido, ou seja, deviam trabalhar para manter os filhos. Quando havia a possibilidade de imigrar, ela partia com os filhos e iria se reagrupar ao marido.

Sempre como coadjuvantes da história, sem a possibilidade de estudar ou decidir sobre a própria vida. Se eram solteiras os contratos de trabalho não permitiam gravidez. Se eram casadas tinham ainda mais dificuldade de conseguir trabalho.

Mas hoje podemos falar sobre a sua importância em transmitir a cultura italiana, que passaram aos filhos. Foram elas que mantiveram as tradições religiosas e mantinham a tradição culinária. São inúmeras as historias de mulheres que obtiveram uma certa autonomia cozinhando e se mantendo com pequenos restaurantes. Ouso dizer que foram elas que tornaram populares os restaurantes italianos fora da Itália.

De modo geral a imigração feminina não era bem vista pela sociedade, se temia os novos hábitos adquiridos no novo país, com emancipação da mulher. Por isso a imigração feminina era desestimulada, acontecendo somente por motivo de reunião familiar. Muitas vezes no retorno a própria cidade, a mulher migrante era vista como algo negativo, fora dos parâmetros morais e religiosos.

Ainda no âmbito da imigração feminina, uma pequena imigração ocorreu com mulheres artesãs marchigianas especializadas no trabalho com a palha. Elas migraram para a Croácia para trabalhar na produção artesanal, sendo utilizadas como mestras para ensinarem a outras mulheres.

Imigrantes de Elite

Além da grande maioria que imigrava por necessidade de uma vida melhor, havia uma pequena percentual que pertencia a classes aristocráticas e intelectuais que partiam em busca de um reconhecimento além do próprio país ou em busca de fortuna; alguns ainda pelo desejo de aventura. Eram arquitetos, médicos, jornalistas, professores, músicos, escritores e pintores. Famílias que faliam ou que tinham algum problema que manchava seu status social, também migravam buscando o esquecimento e a esperança de uma nova vida.

Contrariando o estereótipo de um imigrante ignorante, sem estudos, a imigração atingiu todos os setores da sociedade, porém não do mesmo modo; deixando uma herança cultural com a sua profissão e criatividade.

Nem todos tiveram sucesso nessa mudança, mas alguns ajudam a construir cidades em outros países e são lembrados pelos seus feitos como: Giovanni Cingolani, Attilio Valentini, Rafael Sabatini, Adriano Colocci, Luigi Fabbri, Francesco Tamburini, Comunardo Braccialarghe, Folco Testena e Rodolfo Mondolfo.

Busca de imigrantes

O Museu da Imigração utiliza um banco de dados internacional, que permite ao usuário pesquisar nomes e documentos. Além disso existe um serviço permanente de coleta de documentos, fotos e materiais. Qualquer pessoa pode doar material relativo a imigração marchigiana! Uma das últimas doações foi um vestido de noiva!

Um modo muito bacana de eternizar a memória do familiar é doando para o museu, para que outras pessoas conheçam a sua história. Uma senhora de Cossignano que vive atualmente em Perth na Austrália fez uma viagem especial a Recanati para deixar seu vestido de noiva! E hoje os visitantes podem conhecer um pedaço da história da imigração através das fotos e do vestido de época dessa senhora.

Em dezembro de 2022 foi inaugurado o Tour Virtual do Museu, onde o visitante pode visitar as salas virtuais de exposição e consultar documentos. O endereço é: https://www.musei3d.com/museo_emigrazione/

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